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quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Estado brasileiro é Robin Hood ao contrário: tira dos pobres e dá aos ricos, diz líder dos sem-teto


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Guilherme Boulos discursa em protesto (Foto: Oswaldo Corneti/Fotos Públicas)Image copyrightOswaldo Corneti l Fotos Publicas
Image captionMTST, liderado por Guilherme Boulos (foto), irá às ruas em mais de dez capitais nesta quarta
Em meio à instabilidade política e econômica que cerca o governo Dilma Rousseff, a presidente enfrenta desgaste também junto aos movimentos sociais, tradicional base de apoio do PT.
O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) realizou na manhã desta quarta-feira manifestações em mais de dez capitais – entre elas São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília – contra os cortes dos gastos sociais, especialmente a redução de recursos para o Minha Casa, Minha Vida.
As contratações para construção de novas moradias na faixa 1 do programa – a que atende as famílias de menor renda e exige subsídios maiores do governo – estão paralisadas e sem previsão de retomada.
Em entrevista à BBC Brasil, Guilherme Boulos, principal liderança do MTST, diz que os mais pobres não aceitam pagar a conta da crise e cobra mais impostos sobre os segmentos de maior renda da sociedade.
Image copyrightAg Brasil
Image captionMTST realizou nesta quarta-feira protestos em mais de dez capitais; acima, grupo diante do Ministério da Fazenda, em Brasília
Ele defende, por exemplo, a taxação de grandes fortunas e dos lucros e dividendos das empresas. Por outro lado, critica os gastos do governo com a dívida pública, que consomem mais de 40% do Orçamento.
"A carga (tributária) é ridícula em relação a quem de fato pode pagar. O grande problema é a má distribuição (da cobrança de impostos). O Estado brasileiro funciona como um Robin Hood ao contrário: tira dos pobres pelos impostos e dá aos ricos pelos juros da dívida pública", afirma.
Segundo Boulos, o movimento repudia as tentativas de impeachment da presidente, não vê ganhos em um eventual governo do atual vice Michel Temer, mas nem por isso deixará de criticar a política econômica.
"O MTST não aceita esta política, independentemente de quem esteja aplicando seja o governo liderado pelo PT, na esfera federal, ou pelo PSDB em Estados como São Paulo. Pau que bate em Chico bate em Francisco", disse.
"Se o governo quer ser defendido, ele precisaria primeiro tornar-se defensável", acrescentou.
Os protestos desta quarta-feira contam com o apoio de funcionários públicos, que convocaram uma paralisação nacional por meio do Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais.
O MTST não deve voltar às ruas no dia 2 de outubro, quando outros movimentos estão convocando uma manifestação "contra o golpe" para retirar Dilma da Presidência.
Leia abaixo a entrevista concedida à BBC Brasil por email e telefone.
Dilma em reunião com movimentos de moradia (Foto: Ichiro Guerra/PR)Image copyrightIchiro Guerra l PR
Image captionDilma recebeu movimentos de moradia na semana passada, mas isso não impediu protesto
BBC Brasil - Qual a motivação dos protestos?
Guilherme Boulos - As mobilizações desta quarta ocorrem pela opção do governo em cortar mais investimentos sociais, particularmente em moradia, como forma de responder à crise.
O orçamento do Minha Casa, Minha Vida enviado para o Congresso, de R$ 15,6 bilhões em 2016, já seria muito insuficiente. Os novos cortes (anunciados em R$ 4,8 bilhões) comprometem ainda mais. Já dissemos e repetimos: não aceitamos pagar a conta da crise. Há outras saídas possíveis.
Foto: PRImage copyrightPR
Image captionCorte de recursos no Minha Casa, Minha Vida levará sem-teto à rua, afirma Boulos, do MTST
BBC Brasil - Os protestos são contra o governo? Por quê?
Boulos - São contra a política de austeridade e cortes, que está sendo implementada pelo governo Dilma e também pelos governos estaduais.
O MTST não aceita essa política, independentemente de quem esteja aplicando - seja o governo liderado pelo PT, na esfera federal, ou pelo PSDB em Estados como São Paulo. Pau que bate em Chico bate em Francisco.
BBC Brasil - Em meio à instabilidade política e às tentativas de impeachment contra a presidente, o movimento não teme enfraquecer mais o governo com os protestos?
Boulos - Veja, achamos que o que enfraquece este governo é sua definição de aplicar um programa oposto em relação ao que foi eleito pela maioria.
O que enfraquece este governo é, a cada grito da banca (mercado financeiro), da mídia ou do PMDB, anunciar novas medidas de austeridade. Fica refém e perde base de apoio na sociedade. Se o governo quer ser defendido, ele precisaria primeiro tornar-se defensável.
BBC Brasil - O governo parece cada vez mais fraco. Os processos contra a presidente têm avançado no TCU e no TSE. O movimento está preocupado com uma possível queda da presidente?
Boulos - O MTST repudia qualquer saída à direita para a crise política. Acreditar que (o vice-presidente Michel) Temer representaria algum avanço para os interesses populares é de uma cegueira impressionante. Surfar na onda do impeachment achando que os trabalhadores podem ganhar com isso é tolice ou oportunismo.
Não caímos nessa e vemos que a tentativa do PSDB e de setores amplos do PMDB, articulados com figuras como (o ministro do STF) Gilmar Mendes no Judiciário, querem derrubar Dilma para implantar algo ainda mais agressivo à maioria popular.
Mas, ao mesmo tempo, isso não vai nos deixar imobilizados ante os ataques que têm vindo do governo. O governo tem tomado a opção de repactuar com o PMDB e setores da direita a qualquer custo. Essa opção tem um preço.
(Foto: TSE)Image copyrightTSE
Image captionPara Boulos, o PSDB e setores do PMDB estão articulados com o ministro Gilmar Mendes, do STF
BBC Brasil - Como o movimento vai reagir no caso de um impeachment?
Boulos - O MTST está e estará mobilizado contra os ataques aos direitos sociais e também contra qualquer saída mais à direita para a crise.
BBC Brasil - A terceira fase do Minha Casa, Minha Vida aumentou o valor das prestações para as famílias mais pobres. Além disso, as concessões para faixa 1, destinadas aos mais pobres, estão paralisadas. Qual a avaliação do movimento sobre o MCMV 3?
Boulos - O anúncio do Minha Casa, Minha Vida 3 no dia 10 pela presidenta incorporou pautas importantes do MTST e dos movimentos de luta por moradia, como maior prioridade ao Entidades (modalidade em que as moradias subsidiadas no programas são erguidas pelos movimentos sociais, e não por construtoras), aumento do limite da faixa 1 (teto da renda familiar nesta faixa subiu de R$ 1.600 para R$ 1.800), recurso para equipamentos públicos (escolas, postos de saúde, etc), entre outros pontos.
Houve essa redução do subsídio, que de fato prejudica a capacidade de pagamento das famílias que ganham entre R$ 800 e R$ 1.800 (ao elevar as prestações). Mas, além disso, o que é pior é que criou-se uma situação de "ganhar e não levar". Não adianta melhorar pontos no programa e não dar orçamento, não ter meta de contratação. Esse é o principal problema e é por isso que estaremos nas ruas nesta quarta.
BBC Brasil - Como foi a reunião com a presidente para discutir o programa na semana passada?
Boulos - A reunião em si, como disse, atendeu pautas dos movimentos. Mas quatro dias depois lá estava o governo em cadeia nacional anunciando novos cortes. Aí não dá!
BBC Brasil - Já que o movimento se opõe aos cortes de gastos, quais medidas o MTST defende para resolver o problema do Orçamento?
Boulos - O movimento defende que quem pague a conta da crise seja o andar de cima, não o andar de baixo. Você não tem imposto sobre grandes fortunas, você não tem imposto sobre distribuição de lucros e dividendos.
(Foto: Agência Brasil)Image copyrightAg. Brasil
Image captionCortes anunciados por Joaquim Levy (à esq.) e Nelson Barbosa desagradaram movimentos sociais
Um recurso inacreditável da União é destinado a juros e amortizações da dívida pública (mais de 40% do Orçamento). A Constituição de 88 prevê uma auditoria da dívida pública que nunca foi feita nesses quase 30 anos. O movimento defende esse tipo de medida para equacionar o preço da crise.
BBC Brasil - O movimento não entende que a carga tributária no Brasil já é alta, como dizem muitas pessoas?
Boulos - Alta para quem, né? Mais de 50% da carga incide sobre consumo. Imposto sobre a renda é 20% no total, imposto sobre propriedade é 4%. Então, a carga é ridícula em relação a quem de fato pode pagar.
Você pode inclusive reduzir imposto sobre consumo e aumentar a taxação sobre capital financeiro, especulativo e sobre propriedade, sobre imóveis, tanto rurais quanto urbanos.
A carga do Brasil é alta para os mais pobres e até para os setores médios. Quem ganha até dois salários mínimos deixa 54% de seus gastos em impostos. Já quem ganha mais de 30 salários deixa 29%.
Ou seja, o grande problema é a má distribuição. O Estado brasileiro funciona como um Robin Hood ao contrário: tira dos pobres pelos impostos e dá aos ricos pelos juros da dívida pública.
BBC Brasil - Qual balanço faz do Minha Casa, Minha Vida?
Boulos - O programa Minha Casa, Minha Vida é importante na medida em que o Brasil ficou 20 anos, desde o BNH (Banco Nacional da Habitação, extinto em 1986), sem programa habitacional. Mas é um programa cheio de contradições. Ele precisa ser alterado, precisa ser modificado.
Boulos com Lula, em dezembro (Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula)Image copyrightRicardo Stuckert l Instituto Lula
Image captionBoulos, na foto com Lula, diz que Minha Casa, Minha Vida é importante, mas precisa melhorar
A questão do papel das empreiteiras em produzir habitação de baixa qualidade e tamanho ruim precisa ser revisto. Quem ganha mais hoje com o programa são as empreiteiras.
Agora, mais do que isso, precisamos de uma política urbana de combate à especulação imobiliária. Combater essa lógica de cidade que na prática é uma máquina de criar novos sem-teto.
Você constrói novas habitações pelo Minha Casa, Minha Vida, mas tem novos despejos a cada dia, especulação imobiliária crescendo, as pessoas sendo expulsas das regiões por conta do valor proibitivo do aluguel e da especulação imobiliária.

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