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sábado, 20 de agosto de 2016

Caem as máscaras de Cristovam Buarque

ERIKA KOKAY

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A entrevista do senador Cristovam Buarque (PPS-DF) publicada no jornal Correio Braziliense, na última quinta-feira (11/8), carrega um conjunto de afirmações que merecem ser melhor debatidas. Em uma série de três artigos irei confrontar as argumentações do senador pró- impeachment.
Cristovam inicia a entrevista defendendo que a volta de Dilma seria muito ruim, pois "ela não tem apoio parlamentar e nós vivemos em um pais democrático, então temos que respeitar o parlamento".
Ao fundamentar seu voto, não na existência de crime de responsabilidade, mas na ausência de apoio do Congresso ao governo da presidenta Dilma, Cristovam coloca um parlamento fisiológico e eivado de interesses acima da decisão soberana do povo que elegeu Dilma Rousseff. Com essa afirmação, Cristovam demonstra um profundo desprezo pela democracia.
O parlamentar reconhece que não está analisando o processo tendo como base aquilo que diz a Constituição, ou seja, a necessidade da existência de crime de responsabilidade, o único motivo que justifica um impeachment.
Cristovam ignora que estamos falando de um processo que até agora não conseguiu comprovar o cometimento de crime de responsabilidade por parte da presidenta Dilma, de um processo contaminado por manobras antirregimentais grosseiras praticadas pelo legislativo, entre outras ilegalidades que estão sendo questionadas internacionalmente por ferir a Constituição e pressupostos básicos do Estado Democrático de Direito. Pelo contrário, diversos pareceres de instituições como o Ministério Público, por exemplo, atestam que as chamadas pedaladas fiscais, ainda que tivessem ocorrido – não constituiriam crimes, mas apenas rotineiras operações financeiras, recorrentes em todos os governos anteriores.
Cristovam se assume golpista ao indicar que seu voto não parte de uma análise de mérito do impeachment. O senador busca externalidades ao processo para justificar o absurdo de impedir uma presidenta que não cometeu nenhum crime.
Mas que parlamento é esse que Cristovam descreve como síntese da democracia?
Pesquisa recente realizada pelo Instituto Data Folha demonstra que apenas 9% dos entrevistados consideraram o desempenho do Congresso como ótimo ou bom, avaliação pior que a da presidenta Dilma, que na mesma pesquisa teve aprovação de 13%.
Estamos falando de um parlamento que não reflete a maioria da sociedade, pois tem uma representação distorcida em relação ao conjunto da população. O perfil da atual legislatura é de homens, brancos, acima dos 50 anos, com formação superior, empresário e dono de patrimônio superior a R$ 1 milhão.
Os negros e as mulheres, maioria na sociedade, continuam sendo a exceção no Congresso. Negros e pardos ocupam menos de 20% das cadeiras, enquanto as mulheres não chegam a 10%. Portanto, Cristovam superestima o apoio de um parlamento que está longe de representar a maioria da sociedade brasileira.
Buarque fala da necessidade de apoio de um Congresso que é inegavelmente corrupto. É incrível, mas os parlamentares que votaram pelo impeachment têm contra si uma série de acusações de corrupção, nenhuma das quais recai sobre a presidenta Dilma, uma mulher reconhecidamente honesta e honrada. A propósito, é bom lembrar que, segundo levantamento da ONG Transparência Brasil, 49 dos 81 senadores que irão participar do "julgamento" da presidenta Dilma no Senado estão sendo investigados por corrupção.
Cristovam tira suas máscaras e se assume como golpista, também, quando diz que seu voto estará condicionado aos rumos da Operação Lava Jato. Ora, Dilma não está sendo vítima de um julgamento ilegítimo e injusto por ter cometido qualquer tipo de corrupção.
Se o senador considera a Lava Jato como critério de definição de voto, jamais poderia votar para conduzir ao Palácio do Planalto um vice-presidente como Michel Temer, uma vez que no âmbito da própria Lava Jato há denúncia de que ele pediu e recebeu, em pleno Palácio do Jaburu, R$ 10 milhões em dinheiro vivo, fruto de caixa dois, ou seja, angariados de forma ilícita para o seu partido, o PMDB.
Aliás, corrupção que nem sequer foi mencionada pelo senador durante toda a entrevista. Cristovam parece, a todo o tempo, ignorar o caráter eminentemente corrupto deste golpe.
Ignora que o processo foi aberto na Câmara por puro revanchismo político de Eduardo Cunha, acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Ignora que o impeachment foi utilizado por Cunha como sua principal estratégia de defesa, seja contra seu afastamento da presidência da Câmara ou mesmo para se preservar da cassação de seu mandato parlamentar.
Ignora que Cunha só não foi cassado até hoje porque é protegido pelo presidente impostor e por seus articuladores políticos na Câmara, apavorados pelo temor de que a delação de Cunha aponte a participação dos atuais ocupantes do poder em esquemas de corrupção e, assim, desmoralize ainda mais o golpe.
Cristovam despreza solenemente uma série de denúncias que pairam sobre o governo ilegítimo de Temer. Como desconsiderar as gravações de Sérgio Machado envolvendo a alta cúpula do PMDB? Gravações que desnudaram o verdadeiro interesse por trás da aventura golpista, as quais revelaram que a estratégia era afastar Dilma e, assim, estancar as investigações da Lava Jato.
Mais grave ainda, o senador peca por desonestidade intelectual ao afirmar que aqueles que criticam o golpe votaram em Temer. Senador, o povo brasileiro não votou em um vice-presidente para golpear, para arquitetar uma ruptura democrática, para trair sua companheira de chapa pelas costas e cassar os mais de 54 milhões de votos que conduziram Dilma Rousseff à presidência para que ela pudesse implementar o programa que saiu vitorioso das urnas em 2014.
Senador, o povo brasileiro não votou em um vice traidor, que se associou com a oposição de direita e extrema direita de Dilma para contrabandear um programa conservador e restritivo de direitos, o mesmo programa rejeitado pelas urnas em 2014 e derrotado por quatro vezes consecutivas nas últimas eleições.
Cristovam, seja honesto consigo mesmo e assuma que esse impeachment é um eufemismo para golpe, para um processo que pisoteia a Constituição e tem como objetivo final não a derrubada de Dilma, mas o ataque à soberania nacional, aos serviços públicos de saúde e educação, aos direitos sociais e trabalhistas.
Assuma que esse golpe vê a Constituição e os direitos que ela assegura como entraves para um modelo de crescimento econômico conservador, que pretende aprofundar as gritantes desigualdades ainda existentes em nosso país.
Assuma, enfim, tratar-se de um golpe que busca interromper a ousada tentativa de construir um Estado de Bem-Estar Social no Brasil, uma nação mais justa que contemple todos os brasileiros e brasileiras e não apenas uma elite, construída a partir de um inaceitável processo de exclusão social, que há séculos caracteriza o Brasil.

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